O prefeito de Ribeirão Preto, Duarte Nogueira (PSDB), lançou no mês de abril, o livro “Administração Pública – Desafios e Soluções”, que relata o exercício de seu primeiro mandato – ele foi reeleito em 2020 – à frente de uma prefeitura com muitas dívidas de curto e longo prazos e com sérios problemas de governança, incluindo O Ribeirão Preto saiu do caos Como investigações sobre desvios de recursos e agentes públicos presos antes de sua posse. No livro, Nogueira mostra como foi possível fazer a recuperação financeira, equilibrar as ações administrativas, planejar e executar obras, recuperar a capacidade de investimentos e manter a saúde orçamentária da cidade. Prefeitos em situações semelhantes podem se nortear pelo livro, porque o material traz informações suplementares que podem ser acessadas por um QR code, onde estão a íntegra de leis e decretos que ajudaram a normatizar a gestão pública de Ribeirão Preto. O prefácio é do conselheiro presidente do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP), Dimas Ramalho.
O livro está à venda na Livraria da Travessa, em Ribeirão Preto, e no site da Amazon, por R$ 65. “Neste livro estão presentes os cinco ‘P’ (priorizar, planejar, propagar, persistir e perenizar) que elegi para o nosso governo e que dei amplo conhecimento à minha equipe. Mas principalmente estão os ‘P’ de propagar e o de perenizar, porque divulgam o trabalho feito e perenizam as medidas adotadas durante o período de quatro anos de muitas dificuldades, notadamente nos primeiros anos”, diz o autor da obra.
“Em 2016, tivemos uma eleição diametralmente distinta de todas as outras. A disputa aconteceu no mesmo ano da Operação Sevandija, da Polícia Federal e do Gaeco, que afastou nove vereadores, secretários municipais e um superintendente de autarquia, levando a própria prefeita à prisão e ao afastamento do cargo, já depois do pleito encerrado, no dia 2 de dezembro do mesmo ano”, registra parte do primeiro capítulo.
“Foi uma disputa marcada pelas restrições impostas pela pandemia de covid-19, que assolou o mundo e traumatizou pessoas com regras que até então nos eram pouco familiares. Para quem disputou a eleição foi uma invenção atrás da outra. A adaptação à nova realidade se fez necessária”, aponta parte do último capítulo, sobre a disputa da reeleição Entre as duas eleições, o livro documenta as medidas adotadas, a recuperação financeira, o programa Ribeirão Mobilidade, a busca da universalização do saneamento, a própria pandemia de covid-19 e vários outros assuntos atinentes à uma administração pública municipal. “Tenho certeza que, juntamente com uma ótima e afinada equipe de trabalho, fiz o melhor de mim por minha cidade, com bons e aparentes resultados. Por isso também senti obrigação de deixar registradas e compartilhar as medidas adotadas e que podem nortear outros gestores”, afirma Duarte Nogueira.
The Winners Economy & Law – Prefeito, o senhor assumiu a prefeitura de Ribeirão Preto com o desafio de reestruturar a administração pública, como diz em seu livro. O que havia de errado?
Duarte Nogueira – A cidade vivia um momento muito difícil. A gestão que se encerrou em 2016 deixou muitas dívidas de curto e longo prazos, incluindo atraso no 13º salário e nos salários de dezembro dos servidores municipais. Havia fornecedores com atraso em seus créditos de até dois anos. Na saúde, faltavam insumos e cerca de 20% dos remédios fornecidos pelas farmácias das unidades de saúde, em função, principalmente, do atraso no pagamento de produtos já entregues. Com atraso de pagamento, a empresa de coleta de lixo tinha dificuldades até para comprar combustíveis para seus veículos trabalharem. Além das dívidas e da falta de recursos, as práticas de boa gestão estavam “abandonadas”. Em meio a tudo isso, a gestão anterior era acusada de desvio de recursos, com agentes políticos presos e investigados pela Polícia Federal e o Gaeco. Uma investigação que alcançava a própria prefeita da época.
TWE&L – Quando o senhor decidiu escrever o livro e o que te motivou?
DN – Tive a intenção de deixar registrado as formas encontradas para solucionar os inúmeros problemas da cidade naquele momento. Mais do que deixar um legado, meu objetivo, com o livro, é deixar informações que podem ser úteis aos atuais e futuros gestores públicos, porque além de relatar as medidas, deixo os decretos e leis utilizados para reorganizar a administração municipal de Ribeirão Preto. São documentos que são acessados de forma rápida por um QR code impresso no livro. Tratase de embasamentos importantes para quem precisa enfrentar uma situação praticamente falimentar de uma prefeitura. Mas eu também quis prestar contas aos contribuintes. Mostrar tudo o que fizemos, nossos acertos e erros, com clareza e transparência, de forma a perenizar as nossas conquistas ao longo de quatro anos de mandato.
TWE&L – O que de mais importante precisou ser feito para alcançar a recuperação financeira do município?
DN – O primordial foi o controle das despesas. Um dos mecanismos criados foi o Comitê de Otimização do Gasto Público (Cotim), que passou a controlar todos os pagamentos e compras da prefeitura. Foi um controle bastante rígido, que resultou em economia de recursos, uma vez que minha determinação foi a de não aumentar impostos, taxas e contribuições. Todo o nosso ajuste foi feito pela redução de gastos. Além da economia nas aquisições, reduzimos as despesas com servidores nomeados em cargos de comissão. Desde o início, a determinação foi economizar 20%, o que ajudou no controle e no pagamento de dívidas atrasadas. Com negociação séria e transparente, conseguimos pagar à vista com desconto e parcelar as dívidas maiores sem pagar acréscimos. Com os credores pagos, restituímos a credibilidade, reconquistamos os fornecedores e fizemos melhores compras de bens e serviços.
TWE&L – Como está a saúde financeira da cidade hoje?
DN – A situação está muito melhor do que a que encontramos. Os fornecedores estão com seus pagamentos em dia e os servidores recebem religiosamente os seus salários, que foram reajustados em março em mais de 10%. Não há folga, porque sempre existem novas necessidades, mas está tudo sob o mais absoluto controle.
TWE&L – Que mensagem o senhor deixaria aos prefeitos que estão com dificuldades, não somente pela pandemia, mas pela dificuldade de gerir especialmente a parte fiscal de uma administração pública?
DN – Que eles busquem incessantemente o controle de gastos, já que é praticamente impossível aumentar receitas, que persigam o ajuste fiscal de forma implacável e que busquem recursos de outras fontes que não a própria, porque as receitas próprias são insuficientes para fazer frente aos investimentos necessários à melhoria das cidades. E para buscar estes recursos é preciso ter um bom controle fiscal e bons projetos de investimentos, seja em obras ou equipamentos, que melhorem o atendimento da população.
TWE&L – Dá pra se dizer que a cidade de Ribeirão Preto, por ter feito a lição de casa alguns anos atrás, saiu menos prejudicada na pandemia?
DN – Sim. Fizemos um bom controle da pandemia, sempre ouvindo os técnicos e valorizando a ciência, com o objetivo de preservar a saúde e a vida das pessoas. Como nos primeiros anos organizamos as nossas contas e a nossa gestão, não tivemos grandes gargalos na saúde durante os períodos mais críticos da pandemia. Chegamos ao final de 2019 investindo em saúde, reformando e construindo unidades, adquirindo equipamentos e contratando servidores. Teríamos, claro, mais investimentos em outros setores se não houvesse a pandemia, mas como ela veio, tivemos condições de manter um bom atendimento com os recursos que tínhamos e os que recebemos de outras instâncias de governo. Tanto que conseguimos retomar as ações já durante a melhoria dos indicadores da pandemia, proporcionados pela vacinação que mereceu de nossa parte toda a atenção necessária no fornecimento de infraestrutura.
TWE&L – Em 2019 repercutiu bastante sua gestão especialmente pelos fortes investimentos em infraestrutura em Ribeirão Preto. A sua gestão tinha como propósito ampliar os projetos nesse setor, mas a pandemia atrapalhou. Como está sendo a retomada na área de infraestrutura
DN – A necessidade de se ampliar investimentos sempre existe, porque as cidades crescem e as demandas também se ampliam na mesma proporção, mas conseguimos manter o nosso ritmo de investimentos em obras, uma vez que o setor foi menos afetado pela pandemia. Estamos com as obras a pleno vapor, principalmente as do programa Ribeirão Mobilidade. Temos também a construção de escolas, do AME Mais Idoso, investimentos no Programa de Gestão, Controle e Redução de Perdas de Água etc.
TWE&L – Ribeirão Preto está entre as melhores cidades do país para se fazer negócios, ocupando a décima primeira posição (segundo o último estudo realizado pela Urban Systems). Que tipo de iniciativas a prefeitura tem adotado para que a cidade continue seguindo essa mesma trajetória?
DN – Temos uma Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Urbano que desenvolveu mecanismos para a aprovação rápida de novos empreendimentos. Investimos na infraestrutura de nosso Distrito Empresarial, para fornecer as melhores condições para as empresas desenvolverem seus negócios. O próprio investimento em infraestrutura da cidade e na manutenção de uma logística eficiente leva investidores a buscarem a cidade. Também oferecemos vários cursos de formação no âmbito do município e, em março, inauguramos o Centro de Apoio ao Trabalhador e Empreendedor de Ribeirão Preto (CATERP), justamente para apoiar os empregadores no momento da busca de mão de obra, em um eixo estruturante que apoia o empregado na busca de trabalho e oferece solução rápida a quem precisa contratar.
TWE&L – Dá para descansar como gestor público ou o senhor não desliga?
DN – É difícil desligar diante da complexidade da gestão pública. Há sempre alguma coisa a ser feita, mesmo fora do horário de expediente e nos finais de semana. Mas há sempre momentos, por menores que sejam, onde o desligamento é necessário para a reposição da energia gasta. Eu vivo esses momentos praticando exercícios, cozinhando, cuidando de meus animais etc. Por outro lado, estou sempre disposto a trabalhar, porque adoro o que faço.
TWE&L – Qual o maior inimigo do gestor público no Brasil?
DN – O enfrentamento de crises econômicas é uma das principais dificuldades na gestão pública. Porque a retração econômica reduz as receitas da iniciativa pública, diminui empregos e, consequentemente, aumenta a demanda por serviços públicos, notadamente nas áreas sociais, como educação, saúde e assistência social. Por isso o gestor público, além de cuidar de orçamento, metas fiscais, limpeza urbana, saneamento etc., precisa também encontrar formas de incentivar o desenvolvimento das cidades, dos estados e da União, de forma a gerar emprego e renda e novas receitas para os cofres públicos. E, com isso, minimizar as dificuldades provocadas pelas recorrentes crises de ordem financeira.
Reportagem publicada na Revista Economy Law Winners 06